sábado, 11 de maio de 2013

Especulação imobiliária



Praia das Astúrias - Guarujá
Foto: Douglas Germano - Abril 2013

Em recente viagem à praia, após ter escutado uma conversa entre nós (Douglas e eu) sobre a possibilidade de comprar uma casa na praia e sobre o absurdo promovido pela especulação imobiliária, que constrói prédios imensos na orla do Guarujá (alguns com 21 andares mais cobertura), que fazem sombra absoluta na areia da praia à partir das 14hs, Guilherme mandou muitíssimo bem:

— Sabe, pai, quando você e a Tantan comprarem uma casa na praia, se for num desses prédios, eu não vou querer vir, por que eu não quero fazer parte dessa bobagem...

Filho de peixe...

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Diálogo do dia

Cena do filme Wall E
Eu e Guilherme hoje cedo (14/04/2013), assistindo o filme Wall E

— Gui, você sabia que a barata foi o único ser vivo que sobreviveu intacto à bomba atômica?
— Mas o que é bomba atômica?
— É uma arma muito devastadora. A mais devastadora já criada pelo homem. Foi usada na 2.ª guerra mundial e feriu milhares de pessoas, destruiu duas cidades, matou todo o tipo de vida que foi atingida diretamente por ela.
— Ah, tudo bem, Tan, ela resistiu à bomba atômica mas não resiste a uma chinelada....

Para ler e pensar...

Constatação

Foto: Em mim, constantemente, confrontam-se duas forças: A dúvida pelo presente e o certo desejo de revolução. (TViana)

Em mim, constantemente, confrontam-se duas forças: 

— A dúvida pelo presente e o certo desejo de revolução.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Relatório

Como é bater em retirada de corpo presente?

— É levar o corpo onde ele precisa ir, deixando a alma em casa...


sexta-feira, 3 de maio de 2013

Celular

O que levo comigo ao sair, na partida?
Não sei bem o que levo, mas sei bem o que trago...
Trago comigo uma nota quebrada,
Um ensaio perdido
Falta não computada...


Trago comigo gosto de guloseima não comida,
Fastio de comida não dividida
Frescor de água não bebida.
Trago comigo a visão da janela embaçada
A tontura do ar viciado
O odor de corpo suado.


Trago comigo pouca coisa
Bagagem vazia,
Lembranças apagadas.
Trago comigo quase nada:
Um nada pesado.


Não trago comigo nem café da manhã:
mais uma refeição perdida...
Meu estômago: comprimido.
Levo uma caixa fechada, de preto tarjada.
Uma caixa excluída.
A caixa perdida no embalar da bagagem.
O medo de dar em uma outra paragem,
o sonho de inspirar uma nova aragem.


Levo comigo uma bandeja de frutas
A natureza morta
A natureza torta
Minha natureza exposta


Levo também meu mais novo amigo.
Os antigos, deixo pra trás...


— Alô, você pode falar?

Meu novo amigo é o meu celular!


— Por favor, deixe seu recado após o sinal...

— Fui!!!


Tânia Viana
Ribeirão Pires, dezembro, 2007

Fim de Abril

Meu coração adormecido despertou com sede, despertou faminto.
Saiu de uma febre que arde, mas cura!
Voltou com fome de novidade.
Meu coração saudoso tem a mais tenra idade.


Chegou nesta vida disposto e sadio.
Quer colher flores novas, comer frutas frescas,
Tem fome de terra gramada e memória recente da cama suada...


Meu coração febril e adormecido se levantou molhado,
Ressurgiu nervoso, arrombando portas;
Rangendo os dentes, destravou as janelas.
Retornou travesso, batendo panelas...


Veio regando as praças, lavando as ruas, minando das pedras.
Marejando meus olhos, brotando das mãos,
Pingando e gemendo, pintando e bordando,
Deixou suas marcas por todos os vãos.


Meu coração corado acordou urgente
E chama, ... e me empurra, me anima e me apressa
Está mais gentil, em clima de festa.
Tirou o uniforme, arrumou a bagagem,
Planeja de novo uma nova viagem.


— Que coração é esse que encontro faceiro,
Comendo pipoca, jogando peteca,
Espalhando sementes por todo o terreiro?


— Que coração e este que eu não conhecia?
... É meu coração festeiro que até ontem dormia!



Tânia Viana - 04/05/2010

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Sedução em miniatura.


O sedutor
                                                                                             
Estou em construção!
Esta minha nova construção está acontecendo em sentido inverso...
Numa geração normal da vida, primeiro você toma conhecimento da existência, depois sente a presença, a seguir passa a identificar sensações que são o fruto de uma nova vida surgindo, começa a ver suas formas se alterando, se modificando em função desta nova vida, sente o crescimento, passa a sentir o movimento, começa a identificar a imagem.
Um dia você faz um exame e vê o contorno. E aí a fantasia vôa... você começa a imaginar a cor dos olhos, o desenho da boca, a contar imaginariamente os dedinhos, esperando que estejam todos lá. Como será que vai ser quando estiver do lado de fora?
Um dia isso acontece e essa fantasia toda, que estava lá dentro, vem ao mundo e se personifica numa realidade, com cabeça, tronco e membros, olhos, nariz e boca, 20 dedinhos, uma barriguinha que sobe e desce conforme entra e sai o ar dos pulmões, chorando de fome, se contorcendo de cólica, fazendo xixi, roubando seu sono!
E a situação só avança... vem a frutinha, vem a papinha, sons desconexos que vão se ajuntando, se aglutinando, se expressando de forma incompreensível aos ouvidos estranhos, mas perfeitamente decifrável aos seus ouvidos, que escutam aquela combinação ilógica de sons desde quando ainda eram silêncio.Um dia vem o primeiro tombo, o primeiro corte, a primeira dor...Lá adiante virá a primeira palavra, depois outra, depois outra.Chegará uma hora em que aquela fantasia que nem sequer existia, que foi surgindo devagarinho, estará trazendo o boletim, levando você pra fazer coisas malucas, te cobrará um presente, um afago, um olhar...Mais adiante chegará o dia em que essa criatura te dirá coisas que vão te marcar e que você não esquecerá nunca mais...Eu não vivi nada disso!Mas hoje ele nasceu pra mim!
Essa criatura aconteceu na minha vida hoje, e hoje começou minha história com ele! E ele nem tem noção de que isso aconteceu.
Começo pela metade, sem ter vivido nada do que descrevi até agora...
Comecei pela voz! Engraçado que tenha sido assim, porque a voz pra mim é muito mais do que um veículo de comunicação, é uma essência de expressão!
Agora, vou começar a retroagir... Logo darei um olhar, depois um afago, depois um presente, depois convidarei pra fazer coisas malucas, um dia olharei o boletim, em algum momento baterei um papo sério, depois tratarei uma dor, um ferimento, darei a mão pra levantar do tombo, prepararei um lanche. Certamente haverá uma febre, uma dor de barriga, um medo qualquer...
Chegará o dia em que perderei minha primeira noite de sono...
Nesse dia inevitavelmente pensarei: como teria sido se tivesse saído de mim?
E aí vou me lembrar de hoje: vou me lembrar da hora em que ele entrou em mim...
Vou resgatar essa sensação, tão boa, tão gostosa que pouco importará de onde ele saiu...
Ele um dia surgiu, entrou pelos meus ouvidos, ficou ecoando na minha cabeça, fez um acampamento no meu coração. Desde então fez de lá sua morada.
Não vejo a hora de completar o quadro e ver que carinha ele tem!!!
Assim como seria se ele tivesse saído de mim.
A hora de ver a carinha é a mais esperada, é aí que, de fato, começa a história...
Ainda não vi sua carinha, mas essa miniatura já me seduziu completamente.
Hoje ouvi dele o prólogo dessa nova história:
—Pai, é a Tantan...
Agosto de 2010.


Efeitos da Sedução 2013
                                                            

José Francisco e Otaviano










Sexta Feira, 07 de Maio de 2010, 15h 20min.
Antevéspera do dia das Mães.
Plataforma 11, Terminal Rodoviário do Tietê, São Paulo.
Ônibus Lotados...




Chegamos nós três ao mesmo tempo no balcão da Viação Cometa, na Plataforma 11, com passagens para embarque sentido Jundiaí.
Saída Prevista: 15h30min.
Três Passageiros no balcão: Eu, uma mulher e um homem. Éramos três desconhecidos.
No balcão, apenas duas canetas.
- Por favor, preencham suas passagens! Ditava o motorista, postado à porta do ônibus, verificando bagagens, passagens, documentos, liberando passageiros para tomarem seus lugares nos assentos numerados...

Homem: - Dona, o que eu escrevo aqui?
Mulher: - Seu nome, documento e endereço, não está vendo escrito aí?
Homem: - Mas eu não sei!
Mulher: - Como? Você não sabe seu endereço?
Homem: - Não, é que...
Mulher: - Ah, essa é boa!

E a mulher se retira, apressada e arrogantemente, do alto de seu sapato plataforma e sob seu cabelo cheio de laquê!
Ela era baixinha, mas tinha um rei tão grande na barriga que, obrigatoriamente, tinha que usar plataforma e um cabelo bem estruturado, tudo isso para parecer maior do que realmente era! — NANICA!

Ficamos nós dois, eu e o Homem, lado a lado no balcão.
Eu, ele e as duas canetas...
Eu, que estivera ali ao lado, calada, preenchendo minha passagem, não pude deixar de ouvir o diálogo entre os dois...

Percebi o que havia acontecido, intuí o motivo, mas não quis constrangê-lo com minhas conclusões.
 - Lembrei do Seu Otaviano!

Eu: - Moço, precisa de ajuda?
Homem: - É que tem que escrever aqui o endereço, e eu não sei!
Eu: - Mas o senhor pode por só o telefone e o número do documento.
Homem: - A senhora me ajuda, dona?
Eu: - Claro, me empreste seu documento.
Homem (cochichando): - É que eu não sei ler.

No documento, a vexatória inscrição “ANALFABETO”, carimbada acima da assinatura, uma sucessão de garatujas ilegíveis...

- Lembrei do Seu Otaviano!

Seu Otaviano era praticamente da família, se eu for considerar que minha família sempre foi formada mais pelos agregados do que pelos integrantes natos.
Ele era amigo do meu pai desde 1958, ano em que meus pais se conheceram.
Seu Otaviano era baixinho, assim como o Homem do Terminal Rodoviário, era baiano, assim como o Homem do Terminal rodoviário, era humilde, simples e gentil, assim como o Homem do Terminal Rodoviário. E era analfabeto, assim como o Homem do Terminal Rodoviário.
Aliás, nem mesmo sei por que falo do Seu Otaviano no passado. Ele é tudo isso até hoje. Baixinho, baiano, humilde, simples e gentil.
Esqueci de dizer que ele tem os olhos azuis mais sorridentes que eu já vi até hoje. Ele, apesar de ter mais de 70 anos, chama minha mãe de mãe e até hoje não consegue pronunciar direito meu nome. Ele me chama de Tanin, minha fia!
Esqueci também de dizer que Seu Otaviano é ALFABETIZADO! O analfabetismo ficou no seu passado.
Esqueci também de dizer que o Homem do Terminal Rodoviário tem um nome, que ele não sabe escrever, mas que eu não vou esquecer nunca: José Francisco.

Não vou esquecer porque o analfabetismo me acompanha desde que eu nasci, afinal, nasci analfabeta!
Analfabetos também eram muitos dos agregados que passaram pela vida da minha família, assim como Seu Otaviano. Fico feliz em dizer que alguns deles foram alfabetizados pelas minhas mãos.

- Mas o Seu Otaviano foi especial...

Ele foi o primeiro e se alfabetizou junto comigo, quando entrei no 1.º ano da escola.
Tínhamos o mesmo material: um caderno brochura pra cada um, um lápis n.º 2, uma borracha branca e um caderno de caligrafia. A tradicional cartilha “Caminho Suave”. Esta era única, mas utilizávamos conjuntamente quando sentávamos à mesa da copa aqui de casa pra fazer a lição que a Madre Adeodata havia passado para casa.
E foi assim, fazendo minha lição de casa comigo, copiando as letrinhas que eu desenhava no caderno de caligrafia que o Seu Otaviano aprendeu a escrever e, juntando as letras coloridas da cartilha, aprendeu a ler. Assim ele se alfabetizou. E eu também!
Ele era baixinho, tinha quase a mesma altura que eu, parecíamos mesmo duas crianças aprendendo o ABC.

Seu Otaviano alfabetizou-se pra poder tirar o Título de Eleitor e votar no meu pai, candidato a vereador na cidade pela 3.ª vez. Nas duas vezes anteriores ele não havia votado.

Trabalhou como cabo eleitoral, panfletou, fez boca de urna, mas não entrou pra votar. Foi barrado no seu direito de cidadão assim como o Sr. José Francisco quase foi barrado no acesso ao ônibus, por não saber preencher sua passagem.

E eu, sem ter consciência disso, na hora em que os fatos aconteceram — quando criança, por ser muito criança, no terminal por estar com pressa e querer embarcar logo— já que somente nós dois ainda estávamos de fora do ônibus; acabei contribuindo para que a porta de ambos não se fechasse.

Lembrei tanto do Seu Otaviano desde sexta-feira última que hoje, ao voltar pra casa, novamente vindo de Jundiaí, o vi de longe passando com seu terno cinza, seu chapeuzinho na cabeça e sua Bíblia em baixo do braço.

- Vinha do culto!

Que bom que ele pode ter na sua cabecinha branca as palavras de Deus. Melhor ainda é que as palavras de Deus não precisam entrar pelos seus ouvidos, distorcidas pelas bocas de terceiros, podem entrar diretamente pelos seus olhos azuis, hoje paramentados com um par de óculos, já que o tempo deixou, também ali, as suas marcas...

- Quanto ao Senhor José Francisco? Bem, ele embarcou em mais uma viagem, naquela antevéspera de dia das mães...

Poemeto

A bruma que empalidece a tarde
tem a mesma cor da água que mareja meus olhos:
Invisível, líquida e discreta.

Escorre pela minha face e se perde, como orvalho que não teve o que molhar...