sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Foda-se a Maioria!



Novembro 2012

Eu tenho absoluta certeza que pouquíssimos lerão este texto até o final. E os que chegarem até o final, provavelmente serão aqueles que já sabem do que eu estou falando, mas, mesmo assim, vou tentar novamente....


Eu sabia que ao colocar a minha foto com José Genoíno no meu mural do Facebook iria criar celeuma!
Mas não achei que fosse tanta.
Algumas respostas mandei inbox, mas acho necessário fazer um comunicado geral a todos os que eu prezo e que, porventura, tenham alguma divergência ideológica comigo:

Sou uma pessoa que sabe muito bem diferenciar um crime de financiamento de campanha (que é crime, sim, não podemos negar) de um CRIME DE CORRUPÇÃO.

Fazendo uma alegoria para dar a dimensão proporcional dessa diferença, é mais ou menos como diferenciar um "ladrão de galinhas" de um "especulador financeiro" da bolsa de valores, por exemplo.

No caso do julgamento do Mensalão os "ladrões de galinhas" foram julgados com o rigor que deveria ser utilizado ao julgar os os "especuladores financeiros".

O ladrão de galinhas rouba para sobreviver.
O especulador financeiro controla a cotação da moeda que você utiliza diariamente para pagar seu pão, define a cotação do dólar através de compra e venda de moeda, diz quanto vale o dinheiro que você (eu e todos nós) sua(mos) tanto pra ganhar.... E ainda enriquece com isso, declarando publicamente, e convencendo a todos, que a atividade exercida por ele é absolutamente legal e segue todas as normas de transparência exigidas pela legislação. 
Você já ouviu isso, em algum momento da sua vida???
Tenho certeza que sim e, aposto, acreditou!

— Normal... esta é a arte vitoriosa, imperiosa e eficaz da manipulação.

Não se sinta inferiorizado por isso, mas lute para ser uma pessoa cada vez menos manipulada, para o seu bem e para o bem dos que te cercam...


EXPLICO:

Se o dinheiro em questão no julgamento do mensalão tivesse sido recolhido por mim, ou por qualquer um de nós, simples pessoas anônimas e desconhecidas, o julgamento teria acontecido no fórum da minha (nossa) cidade e não teria tido a repercussão que teve. Porque é isso acontece sempre, em todas as eleições.
TODOS os candidatos recolhem dinheiro privado para pagar as despesas de suas campanhas e as prestações de contas devidas, via de regra, são RECUSADAS.
E algum de vocês que está lendo este texto, sabia disso???

Não, porque a gravidade do delito não requer nenhum tipo de estardalhaço. As penas não são rigorosas e, se brincar, nem resultam em prisão. 

Digo isso com a certeza de quem conhece muito bem o jogo político. Sou filha de uma família de longuíssima tradição política. Meu pai foi político, meus tios são políticos. Todos eles com suas vidas dedicadas a defender o que é correto e justo no âmbito público. 

PASMEM, isto existe.

Vivendo neste meio político desde quando ainda arrotava o colostro aprendi a diferenciar um político honesto que cometeu um erro de um político desonesto que acerta sempre.

E afirmo: os "ladrões de galinha" do mensalão cometeram um erro.
Os "especuladores financeiros" que governaram este país desde o seu descobrimento tiveram um índice de acerto de 100%.

E isso é péssimo pra nós!

Porque nossas mesas, nossos estudos, nossa locomoção, nossos guarda-roupas, nosso armário de mantimentos são diretamente afetados por isso. De forma extremamente negativa.

Ao saírem recolhendo dinheiro para financiar as campanhas presidenciais do PT os deputados julgados pelo STF cometeram um erro imperdoável:
E não foi o recolhimento do dinheiro, Senhores!!! Foi conseguir viabilizar a eleição de um governo popular que tirou do poder os governos de direita que sucatearam o Brasil desde 1500.

Por isso mataram João Goulart, por isso vivemos a ditadura militar, por isso desconhecemos nossa história. Porque a ignorância histórica é a maior arma que os governos de direita possuem contra a população.

Colocar no poder um governo de esquerda e abrir as portas para o acesso à informação pode botar a perder tudo o que os conservadores mais prezam: sua zona de conforto!

O circo armado no STF, que obrigou magistrados respeitáveis a se portarem como anões deformados no exercício de suas funções, que é defender a lei, deveria nos envergonhar. Não deveria ser motivo de piada nem deveria ser argumento de quem não conhece os fatos, ou só conhece como são contados pela mídia e desconhecem os meandros sutis que diferenciam um tesoureiro de campanha de um corrupto.

Discursar sem conhecimento de causa, gente, é fazer o discurso do opressor, sendo o oprimido! Nós somos os oprimidos defendendo os opressores e rezando pra que eles continuem nos protegendo.

Por favor, precisamos parar de confundir proteção e tutela!

Os deputados do PT, presos por corrupção, não receberam dinheiro no exercício de suas funções para mudar decisões plenárias, nem foram pagos para calar sobre fatos importantes, nem foram remunerados para atender a um interesse escuso da iniciativa privada no exercício da coisa pública. Isto, se tivesse acontecido, sim, seria corrupção.

Não há provas de corrupção nos autos do "Processo do Mensalão" (nome nojento...)
Os deputados presos recolheram dinheiro PRIVADO para financiar a campanha presidencial. É isso que demonstram as provas.
Deveriam responder por isso.

O que chamam de "mesada" ou "mensalão" não passou de contribuições dadas por simpatizantes do projeto político apresentado pelo PT, por instituições que durante um período fizeram um caixa de campanha.

Os partidos de direita fazem caixa de campanha em tempo integral, e ninguém apura isso! Por que será?

Os deputados que recebem dinheiro diariamente para mudar seus votos no congresso, que foram pagos para, no exercício do cargo que ocupam no congresso, mudar seus votos, por exemplo, para garantir a reeleição do Fernando Henrique, estes sim, cometeram o crime de corrupção. E estão soltos, utilizando dinheiro de corrupção para disputar a vaga hoje ocupada por Dilma em 2014. 

Eu gostaria também de vê-los com algemas, na Papuda ou num hospital de Base em Brasília.

Quando você vota, e o cara é eleito, ele recebe um voto de confiança e se investe de fé-pública para agir em seu nome. Se ele for pago por alguém para votar algo que prejudique as pessoas que confiaram nele, está sendo corrompido em sua fé-pública, e isto sim é um crime que merece ser julgado com todo o rigor possível. É um crime de traição pública institucionalizada.

Ao ver Genoíno acometido de doença gravíssima, preso como se fosse um rato, não consigo deixar de me lembrar do Lalau!!! Nicolau dos Santo Neto, Juiz Federal que se locupletou com o dinheiro do Tribunal, construiu um império e, quando adoeceu, teve seu prisão revista e não permaneceu na cadeia.

Tratamento diferenciado em casos semelhantes!

Por quê? Porque o recado subliminar é o seguinte: Estes caras ousaram contrariar as normas estabelecidas e devem ser punidos de forma exemplar para que ninguém, nunca mais, ouse perturbar o nosso sossego. Assinado: Direita Conservadora Reacionária Nacional.

Genoíno não forjou uma doença!
Está doente realmente, e já estava quando foi expedida sua carta de sentença. Portanto, não se trata mais de julgar e punir um crime.

Esta é uma questão que ultrapassa o respeito às leis. É uma questão de humanidade. E a lei contempla a aplicação da humanidade também. Não somente o rigor.

A descamação dissecante da Aorta mata de forma sumária.

Sei disso porque tive minha tia morrendo nos meu braços, acometida por um aneurisma dissecante da Aorta há 3 anos atrás.

Também por isso sou solidária a ele, porque se acontecesse algo a ele na prisão, por força da Negligência de um Capitão do Mato que somente porque veste Toga, acha-se no direito de dispor sobre o tempo e a qualidade de vida de pessoas que dependem de suas decisões, nossa capacidade de exercer a humanidade estaria definitivamente aniquilada, com a chancela do STF.

Se você leu até aqui, agradeço pelo voto de confiança que depositou em mim.

Eu sou o tipo de pessoa que não abandona os amigos, que não se conforma com injustiça e que não se cala somente porque a maioria esmagadora discorda de mim.

Foda-se a maioria esmagadora! Tenho minhas convicções!

Sou honesta e acho que honestidade deve ser defendida sempre, seja qual for o preço a se pagar.
Acho também que solidariedade é uma coisa a ser declarada publicamente, sempre que necessário, não somente quando convém!

Sei que José Genoíno é um homem honesto e, por isso, sinto-me honrada em declarar minha solidariedade a ele, a despeito dos julgamentos que possam advir disto!

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Reviravolta




http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,sete-cantores-demitidos-do-coral-paulistano-serao-recontratados,1087909,0.htm

Oportuna a matéria, porque sempre é oportuno recontar histórias obscuras! 
Faltou mencionar que esta solicitação do vereador foi fruto de uma investigação que durou 1 ano e que, dentre outras coisas, apurou o desaparecimento das planilhas de notas e comentários dos julgadores, as notas individuais de cada julgador para cada cantor, além da destruição das gravações que comprovariam os desempenhos, tanto de aprovados quanto de reprovados. Não é uma operação "Chapa-branca" onde o vereador manda e a secretaria faz!

Entre as atribuições do Edil encontra-se o dever de investigar atos da administração pública. E foi que que se fez, desde outubro de 2012. Esta investigação, após apurar todos os fatos, obrigatoriamente, teve que atender à solicitação de recondução dos cantores aos seus postos originais, posto que a apuração de irregularidade nas audições tornou-se um fato comprovado, não apenas uma ilação, uma suposição ou uma suspeita.

Eu fui avaliada nesta audição e durante os três meses que separaram a primeira da segunda fase das provas convivi com as comemorações veladas, os olhares de vitória e os comentários entredentes que davam por certa a minha reprova, que somente não aconteceu porque levei comigo a gravação da minha prova, feita por mim mesma: intuía que as gravações não nos seriam entregues e que serviriam apenas como mais um instrumento de intimidação, aliado às preleções constantes que abalavam o ânimo de todos os que ainda estavam por ser avaliados.

A reversão deste processo, fato inédito na história do Theatro Municipal de São Paulo, deveria ser comemorada por TODOS os artistas do Theatro, porque a despeito de avaliar o mérito ou o demérito dos cantores, quer aprovados, quer reprovados, garante que os processos de avaliação de competência musical tem que ser justos, honestos, transparentes e comprovados, independentemente dos históricos de antipatias, simpatias, concordâncias e discordâncias pessoais. Não podem ser resultado de trafico de influencia, nem de predileções. As questões pessoais podem ser solucionadas na polícia, na justiça ou no DIVÃ do analista. Nunca em uma banca de audições de uma instituição pública.

Como cantora, NUNCA pedi à senhora diretora que destruísse as provas da minha avaliação! Esta afirmação não procede e não condiz com a verdade!!! As provas comprobatórias de desempenho são documentos públicos, compõem o meu prontuário de cantora do Theatro, assim como dos demais cantores, e deveriam ser mantidos lá, contando minha história de sucessos e fracassos dentro da casa. São documentos que comprovam a realização de uma prova convocada publicamente por diário oficial, com a anuência de competência dos integrantes da banca atestada por edital. Que mérito tem tudo isso se, ao findarem as provas, todas os documentos serão incinerados e restarão apenas vestígios? Vestígios, normalmente, são confissões de culpa! Eu quero meu prontuário completo e vou buscar a reparação por este dano, material e moral! Destruição de documentos públicos, ocultação de provas, adulteração de resultados, até onde sei, podem ser visitados nos incisos do código penal e são passíveis de punição.

Nenhum cantor, que seja do meu conhecimento, solicitou a destruição das provas, a não ser que esta solicitação tenha sido decidida em reunião secreta, em fórum restrito, sem representatividade e sem o conhecimento e a anuência de todos. E se assim for, cabe questionar a validade do pedido apresentado e a representação que conduziu este pedido até a direção, caso isto de fato tenha acontecido e não seja somente uma cortina de fumaça para eximir a direção da casa da sua conivência com os fatos. Se de fato houve tal solicitação, cabe também conhecer o nome dos que apresentaram tal solicitação, pois GARANTO: eles não falavam por mim!.
Pelo contrário, as provas foram reiteradamente solicitadas pelos interessados e veementemente negadas pela direção da casa! Repetidas vezes e em diversas instâncias.

Quem reparará os espíritos que foram atingidos por este processo?

Algumas pessoas, no exercício de suas funções, sentem-se tão à vontade para assumir fatos indignos de seus cargos que sequer hesitam em declará-los. Algumas assumem que fatos absurdos e inexplicáveis fazem parte do jogo e outras, tamanha a vergonha cometida, preferem se calar.
Eu, de minha parte, gostaria que esta novela tivesse cenas dos próximos capítulos, que podem versar sobre assédio moral, tráfico de influências, perseguição, improbidade administrativa e outras coisinhas mais...

Desejei que os fatos fossem apurados e, mesmo aprovada, solicitei a investigação. Esperei pela sua conclusão e agora, comemoro o resultado, sim, com a felicidade de saber que a vida encontra suas formas de reparar injustiças de processo.


Estou falando do processo, porque julgar os colegas que saíram, e que agora retornam, tanto quanto os que ficaram, não cabe a mim, nem a ninguém! Mas ao exercício do nosso trabalho que se dará daqui em
 diante, que deverá, PRIORITARIAMENTE se construir sobre pilares de tolerância e humildade.

Aqui, novamente, talvez caiba o Divã do analista, para a elaboração prévia em favor da vivência dos fatos futuros. Se isso for possível...

A verdade é que contra fatos não há argumentos.


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

O que eu mais quero....

Foto: Flávio Bacelar
Concerto: Praça das Artes - 03/08/2013
Regente: Bruno Greco Facio
Publicação Original: Facebook em 01/10/2013



Eu queria muito que toda essa movimentação espontânea que está acontecendo em apoio ao Coral Paulistano estivesse totalmente desvinculada do desejo de muitos: ver o Maestro John Neschling fora do Municipal. 

Eu não desejo isso!

Desejo que ele acerte e que ponha a casa nos trilhos!

É a nossa única chance de ver esse Teatro realmente produzindo de forma séria e valendo-se somente da MÍDIA ESPONTÂNEA para promover nosso trabalho.

É a nossa única chance de garantir que a nossa permanência na casa está plenamente justificada, amparada e protegida, apenas e tão somente pela qualidade da nossa produção!

Queria muito que os artistas e a nova direção do Teatro fossem Cúmplices no projeto que está ainda por se construir.

Torço hoje pelos acertos, como torci no passado pelos antecessores e permanecerei torcendo no futuro, pelos que ainda estão por vir,

Mas tem mais coisas que eu queria....

Ah como eu queria!!!!

— Queria que o Paulistano não fosse tratado como uma relíquia! Como uma mortalha do movimento modernista ou como a única bandeira de Mário de Andrade que realmente nos interessa.

— Queria muito que este movimento solidário ao Coral Paulistano fosse motivado simplesmente pelo desejo de ver uma estrutura pública viva e retomando seu lugar de direito no meio Musical, um lugar que foi, durante os 8 anos da gestão PSDbista, esvaziado e desqualificado, até que, sem argumentos, os músicos ouvem a seguinte justificativa: O Coral Paulistano não tem mais razão de existir.

— Queria muito que todo o movimento que está se criando pela manutenção do Coral Paulistano tivesse como argumentos o fato de que a Música Coral, a capella, não pode possuir um único Sotaque: o que é imprimido pela Universidade de São Paulo! o sotaque que é difundido por cantores amadores, no estrito sentido da palavra: cantam porque amam cantar. Somente.

— Queria que o sotaque erudito dos cantores líricos fosse preservado e reconhecido também como correto na Música Brasileira e este reconhecimento premiasse os cantores que cantam não somente porque amam, mas porque se preparam para isso. 

— Queria que a presença viva de um coral profissional fosse o elo de vida entre os eruditos e a música a capella, nesse meu Brasil tão carente de profissionalismo vocal.

— Queria que o sotaque erudito na música a capella fosse preservado, valorizado e estimulado, para que os que argumentam sobre a forma correta de cantar não vençam com sua atitude preconceituosa, que confina a música brasileira e a música a capella em geral, em uma residência tão distante do canto lírico.

— Queria muito que os que lançam bandeiras pela manutenção do Coral Paulistano olhassem para o futuro, não para o passado: queria que os que argumentam utilizando o nome de Mário de Andrade, deixassem-no repousando em seu túmulo e parassem de pegar carona na notoriedade da semana de 22.

— O Coral Paulistano não é uma peça de museu e não deve ser tratado assim.

— O Coral Paulistano ainda está vivo e ainda é uma ferramenta de construção de platéia, de formação de ouvintes, de difusão de obras, de erradicação da ignorância musical que ainda graça no âmbito da música vocal! Se não foi utilizado desta forma, se não é visto deste jeito, se não é considerado capaz de exercer este papel, não é por culpa dos cantores. Por favor, meus colegas, não se deixem abater por este julgamento, caso ele surja! Nosso espaço continuará sendo defendido com nossas vozes, com nossa têmpera, com nossa disposição. Não caberá a ninguém nos dizer se somos adequados ou não! Nós seremos. E ponto!

— Queria muito que o Ministério da Cultura injetasse dinheiro de verdade, de papel, não de empenho, na Secretaria de Cultura, para que o Teatro Municipal pudesse ter de fato 10 óperas monumentais ao ano, 30 concertos de música a capella ao ano, inúmeros concertos sinfônicos ao ano, magistrais Balés, incontáveis visitas às escolas e das escolas ao Teatro.

— Queria muito que a nossa função no organograma político não fosse apenas entreter, distrair e divertir. Fosse também formar, instruir e informar. 

— Queria muito que os equívocos do passado, no que diz respeito a repertório, estética e divulgação não penalizassem os artistas do Coral Paulistano, no que diz respeito aos projetos para o futuro.

— Queria muito tirar de mim essa sensação de estar sendo punida por ter sido obediente e ter seguido rigorosamente à risca as orientações técnicas e estéticas dos meus superiores hierárquicos passados, que trataram a música vocal a Capella e a música brasileira como música pra ser cantada por principiantes....

— Queria muito que eu e meus colegas fôssemos julgados pela nossa capacidade de produção e não pela incapacidade produtiva dos que nos dirigiram até bem pouco tempo atrás. 

— Queria muito que um lapso de lucidez recaísse sobre todos os que podem dispor sobre estas questões e queria, sobretudo, que o amanhã fosse um dia diferente... e nos reservasse notícias novas e boas, prá mim e pros meus colega de trabalho.

— Queria o Paulistano autônomo, produtivo, vigoroso e altivo, produzindo pro futuro, não vivendo apenas das cinzas do passado!

Mas o futuro não existe. 
Existe apenas o presente.
E existe também tudo aquilo que não existe mais....

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Carta de intenções



Amigo, pra mim, tem que tomar partido do amigo — EM PÚBLICO!
Tem que escolher o lado do amigo.
Tem que fechar com o amigo.
Tem que defender o amigo.

Mas, tem também que puxar a orelha do amigo — SEMPRE EM PARTICULAR!
... tem também que criticar o amigo — naquela conversa em particular que só se pode ter com um amigo real e confiável.
... Tem que ajudar o amigo a enxergar seus erros e procurar as soluções — em particular.
Amigo, que é amigo, não expõe. Conforta!
Amigo, que é amigo, não abandona. Acolhe!
Amigo, que é amigo, vai junto, leva junto, é parelho, acompanha...
Amigo, que é amigo, não se isenta, não se omite, não se retira.

Amigo é aquele cara que nunca é neutro.
Amigo é aquele cara que defende outro até a morte, em público, aos altos brados, seja pra quem for, mesmo que depois, em particular, precise matar o amigo, esculhambar o amigo, dar lição de moral no amigo, esculachar pelas cagadas, pelas falhas, pelos erros, pelas mancadas.

É claro que amigo erra! Erra sim, e erra muito. E quando amigo erra, é como se a gente errasse também! Dói, envergonha, incomoda!!! Mas isso é coisa de amigo pra amigo. Em público é diferente: amigo tem sempre razão! Em público, amigo é amigo e ponto final! Tem que ser defendido, protegido e cuidado.

Amigo tem que ser solidário, sim, e declarar sua solidariedade ao amigo, sempre. Mas sempre em público.
Solidariedade privada, secreta e silenciosa, no cantinho do corredor, no recolhimento do banheiro, no momento em que ninguém está vendo, não serve! Não é solidariedade! É média.
E a média serve apenas para registrar que a covardia está substituindo a amizade.

Amigo é aquele cara que não pode ser neutro. Tem que ter lado, partido, convicções comuns com o amigo, mesmo que tenha discordâncias.
O amigo é aquele cara que você reconhece no meio de uma multidão, porque ele se comporta com uma conduta ética semelhante à sua....
Amigo, antigamente, era aquele cara que se aproximava de você, e você dele, porque possuíam coisas em comum. Coisas como caráter, visão de mundo, expectativas de vida, noções de moralidade semelhantes, valores iguais.

Hoje, para ser amigo de alguém, você não precisa de nada.... basta estar em alguma rede social.

Hoje em dia, amigo nem conhece de verdade o amigo.
Tem inclusive amigo que nunca se viu!!!
Acho que os tempos atuais são tempos de pouco vocabulário, de preguiça verbal e de inexpressão.
A palavra AMIGO teve seu conteúdo esvaziado e hoje em dia designa outros tipos de relação que não a de amizade....
Uma pena.
Eu sou do tempo em que amigo dava a vida pelo amigo...

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Minha Amiga vai à praia....




O que procura a minha amiga?
Procura um horizonte azul, com velas brancas e vento fresco.
Procura um horizonte...
Procura um vento fresco, um ar novo.
Procura novas pegadas na areia.
Vai buscar um novo caminho.
Vai buscar luz do sol pra iluminar a vida.
Vai buscar guarda sol, pra não queimar a pele.
Vai buscar passos novos que andem lado-a-lado em direção ao novo horizonte.
Vai buscar a pele quente, vai buscar...
Vai em busca.
Procura.
Se perde.
O que busca, minha amiga?
Jogo de esconde-esconde.
Procura esconder a dor, apagar a mágoa, esquecer pegadas antigas na terra seca.
Põe a pele no sol, pra dourar, pra curtir, pra purgar.
Pra trocar, pra descascar. Pra virar pó!
Põe pra fora o amargor
Expulsa no suor o sangue que coagulou no peito e que não circula mais.
Deixa pra trás!
Minha amiga vai à praia, buscar nova cor.
Uma cor nova pros olhos, pra pele, pra vida.
Um remédio pra velha ferida.
Salmoura do mar sagrado
Vem pra curar feridas do passado.
Pra secar a perda, pra cicatrizar a memória, pra curar o vazio.
Minha amiga vai à praia, pra trocar de pele, pra trocar de vida, pra reviver.

Mergulha, afoga, naufraga, boia, vai dar em outra praia.
Uma praia vazia, com terra nova, pronta para uma nova morada....

domingo, 21 de julho de 2013

Professor Peso Pesado

Atividade intracelular
Aos meus queridos:
 Norair Reis e Rosana Morandin
Embriologista e Bióloga, respetivamente.
Estudadores da vida...


Acabam nos próximos dias as férias do Guilherme aqui em casa. Fizemos um programa cineminha com ele e a escolha do filme foi dele!
Apesar de ser uma criança de 9 anos, tem um repertório de cinema capaz de botar qualquer marmanjo no bolso, mas a escolha deste final de semana foi um filme bem na linha "ainda sou criança, gente!": O Professor Peso Pesado".
Nariz torcido do pai, minha argumentação em defesa da pouca idade de menino, sentamos os três para assistir o filme.
Bem no estilo norte americano de fazer comédia, feito para não provocar grandes reflexões, apenas para entreter..., mas, divertido.
Eis que agora cedo, com a casa ainda adormecida, iniciando minha rotina habitual, resolvi sentar em frente à televisão por alguns momentos, e lá estava novamente o Professor Peso Pesado. 
Preguiça de procurar outra coisa nos canais a cabo, mandei o play no DVD.
E o filme me pegou, nesta segunda vez, apenas por uma cena, que me valerá a reflexão do dia.
Às vezes me pego fazendo coisas que não tem muita explicação, na rotina habitual de uma pessoa que quer viver em paz! Mas, quando vejo, lá estou eu, fazendo coisas que não foram pedidas, resolvendo assuntos que não são da minha alçada, tomando atitudes que não necessitariam do meu movimento.
Mas eu me movo mesmo assim.
Hoje o Professor Peso Pesado me explicou por quê, na cena em que explica a atividade intracelular para seus alunos, cujos diálogos reproduzo abaixo:

"— Alguém sabe o que acontece quando uma célula fica estagnada?
—Isto não é bom!
— Exato! Isto não é bom...

Uma célula que não se movimenta não é membro produtivo do sistema. Ela acha que todas as outras células vão cobrir sua inatividade. Mas não é isso que acontece!
Na verdade as células ativas passam a imitar a célula estática até que, basicamente, todo o organismo começa a morrer.
— Sim, mas a biologia é a ciência da vida, e é fantástica!

Eis a boa notícia: Toda deterioração pode ser restaurada, como quando um corte sara: A agressão ( corte ) provoca uma agitação nas células. Quando uma célula começa a trabalhar freneticamente, movimenta-se e colide com as células vizinhas, criando uma energia que faz com que as outras células iniciem também seu movimento, no início desordenado. É isso que ocorre: um pequeno movimento gera uma pequena agitação, capaz de promover uma grande mudança, através do caos, de onde surge a ordem e de onde renasce o Ritmo.

Estabelecendo-se novamente um ritmo harmônico de produção, inicia-se o processo restaurador.
Então, mesmo que o sistema inteiro esteja praticamente morto, se as células retomarem seu ritmo coeso, o sistema inteiro se regenera".

Tenho medo de estagnar, tenho medo de não provocar atitude nenhuma nas pessoas que me cercam. Por isso me movo, mesmo que de forma caótica: Me movo porque tenho vontade de viver!...

Para ler e pensar.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Massa de manobra



"O que há de mais vergonhoso na direita reacionária é a sua desfaçatez! Mantém os desfavorecidos em perpétua condição de isolamento, oferecendo migalhas como se fosse um banquete.

Por isso o movimento Passe-livre iniciou suas manifestações pela redução da tarifa para o patamar de R$3,00 e propôs o estudo do projeto "Tarifa Zero", implantado experimentalmente durante o Governo de Luiza Erundina em São Paulo.

Alguém se lembra disso?
Pois é, nossa memória curta e pouco reverente ao que de fato é bom nos faz esquecer benefícios que recebemos e de quem os recebemos.

Não foi nenhum partido de direita que nos concedeu este benefício lá atrás. Foi um partido de esquerda. Os partidos de direita ajudaram a usurpá-lo de nós. Os senhores sabiam disso???

Lógico que naquele momento não houve nenhuma marcha popular de apoio ao projeto e o mesmo naufragou sob as botas do empresariado do transporte público.

Ninguém, ou muito pouca gente sabe ou lembra disso.

Alguns dos que ajudaram a derrubar o projeto experimental proposto e implantado por Erundina, agora, se apropriam do movimento que tentou trazer novamente à pauta a discussão da Tarifa Zero, tendo como gatilho a reivindicação de reversão das tarifas.

Se apropriam não para fazer a discussão sobre políticas públicas de transporte prosperar. Se apropriam porque milhares de pessoas estão ali, disponíveis para os gritos de ordem, quaisquer que sejam eles!

No início, quando somente havia poucas 5.000 pessoas manifestando, não havia apoio, não havia incitação midiática às manifestações. Havia apenas o rótulo: VÂNDALOS!!!!

Quando a classe média se apropriou do movimento, o vestiu de glamour perfumado a Victória Secret, o registrou magistralmente com I-Phones e o elegeu como "manifestação de massa", a mídia mudou seu discurso e os partidos da direita, inicialmente CONTRÁRIOS à implantação do transporte público ( sim, porque os ônibus e trens de metro ou CPTM não são transporte público, são transporte COLETIVO, o que é muito diferente...) apropriaram-se da "massa" e introjetaram no discurso palavras de ordem de outra origem. De origem subversiva ( sim, porque subversão não é prerrogativa da esquerda, não senhores!!!!)

Ouvi um comentário interessante sobre isso: "Nossa gente, aquele pessoal que estava na Paulista, de verdade, não pega ônibus. O Povo estava lá só na paquera... E só tinha gente linda!!! Nunca vi tanto homem lindo por metro quadrado".

E é este tipo de movimento que está sendo transmitido pela televisão, para o mundo, como um movimento de massa, politizado, abarcando reivindicações populares????

Isso na verdade é um carnaval!!!

Começou como um movimento da esquerda e está agora se desdobrando em um grande baile de máscaras a céu aberto, ocupando as ruas da cidade!!!

É isso, temos mais um carnaval, como carnavalizou-se a Parada Gay, como carnavalizou-se a Marcha para Jesus, como carnavalizou-se a comemoração do 1.º de maio no Campo de Bagatelle.

A população que vai às ruas manifestar, não precisa, mas tem recebido o pão dos partidos de esquerda, e tem preferido o circo oferecido pela direita, divulgado em horário nobre, e vestido com a roupagem de "conquistas sociais"

A opressão dá-se disfarçadamente até hoje, quando nos são oferecidos planos de vantagens nos cartões de crédito, crédito pessoal nos bancos e financiamentos de carros. Não estão nos oferecendo nada! Estão nos vendendo um produto. E quem nos vende, está sentado à direita de Deus Pai, contabilizando os lucros há mais de 30 anos, senhores, preparando-se para retomar o governo, porque na verdade, nunca perderam o poder!

O povo mesmo, gente, não tem cartão com bandeira internacional....

— Alô!!! tá dando pra entender?

O povo, mesmo, gente, não tem disposição pra manifestação de rua no final da tarde, porque madruga no dia seguinte!!!!

Subverteram a origem, o foco e o objetivo do movimento das ruas, subverteram os fatos de forma a vestir a camisa reacionária num movimento que deveria ser revolucionário.

Subverteram a ordem pública no momento em a mídia de direita passou a nomear como manifestantes aqueles que até então haviam sido rotulados como Vândalos.

Subverteram a ordem política no momento em que todos os que se beneficiaram das consequências da ditadura ( 30 anos, meus senhores) passaram a ser Pseudo-arautos do movimento democrático que queima bandeiras pelas ruas....

Que reivindicação democrática é esta, meus senhores?
Reivindica-se o direito de excluir, rotular e queimar em praça pública aquele que diverge e que reivindica algo com outra bandeira?
Isso não é democracia. É fascismo, é inquisição, é caça-às-bruxas!
É a falsa democracia em que temos vivido desde o golpe de 64.

Estávamos iniciando uma trajetória democrática, ainda adolescente, e já a estamos vendo ameaçada!

Senhores, uma das maiores ferramentas do fascismo são as palavas de ordem e a implantação do medo. Vide Mussolinni, Hitler, Pinochet e tantos outros.

Queremos voltar para este patamar???

Pergunto: Se estivéssemos nos idos de 1980, haveria alguma possibilidade de formar uma passeata que bloqueasse todo o perímetro econômico da maior cidade do país sem que a polícia descesse a ripa???

Esta é uma conquista da esquerda e não uma concessão da direita. Atentem, para isso.

Em todo o mundo vemos pela televisão cenas de depredação, ataques à prédios públicos, queima de veículos oficiais nas ruas e somos solidários aos manifestantes que corajosamente vão pras ruas e reivindicam seus direitos de forma aguerrida.

Aqui, achamos isso um absurdo.

Absurdo é pegar o Metrô ou o trem da CPTM, em horário de Rush, e ter um tarado se esfregando em você e você não ter espaço nem pra meter a mão na cara do fulano, PORQUE OS PARTIDOS DE DIREITA, NO CASO DE SÃO PAULO ESPECIFICAMENTE O PSDB, ESTIVERAM, COMO AINDA ESTÃO, NO GOVERNO HÁ VINTE ANOS E NÃO SE DIGNARAM A PROPORCIONAR UM TRANSPORTE COLETIVO DIGNO À POPULAÇÃO!

Absurda foi nossa passividade durante os anos de chumbo que perduraram desde o golpe militar até o final do governo José Sarney.

Absurdo é aceitar passivamente esse exercício de isolamento que nos foi imposto durante 20 anos pelo governo de direita e iniciar um movimento de reação quando no governo está uma orientação de esquerda, como se esta orientação ou este governo fossem os responsáveis pelo transtorno do transporte público!!!

Acordem, senhores, pois a manipulação é uma estratégia que somente se consegue identificar olhando para o passado: Estudando a história passada ou, na pior das hipóteses, amargando o arrependimento por escolhas equivocadas, frutos do engano e da desatenção. Não há outras formas de se descobrir manipulado. O reconhecimento de uma manipulação é uma ação pretérita. Não existe presente nem gerúndio, Quem percebe uma manipulação, ou fala de outrem ou já foi vítima dela.

Por isso, o "oba-oba" tem que ser substituído por informação, correta e isenta, já!!!

Essas manifestações ocorridas ontem em São Paulo, onde começou um processo fascista de exclusão da esquerda do centro dos movimentos populares, (ela que é a verdadeira responsável pelo start do processo de questionamento que deveria ser construtivo e includente), não são democráticas. São frutos da falsa democracia que faz com que escolhamos como nossos protetores aqueles que, até ontem, foram nossos algozes:
Aqueles que até ante-ontem nos haviam rotulado como VÂNDALOS,
Aqueles que até ante-ontem estavam muito felizes com os R$0,20 que pingariam em sua caixas-registradoras.
Aqueles que hoje discursam dizendo que todo aumento é repulsivo, em rede de televisão aberta, hahaha! Aberta, porém retransmissora de um oligopólio!

O MPL já se retirou.
Retire-se você também, em favor dos direitos constitucionais conquistados através de um governo realmente democrático, onde todos podem sim, e devem, ganhar as ruas.
Vale a reflexão...."

sábado, 11 de maio de 2013

Especulação imobiliária



Praia das Astúrias - Guarujá
Foto: Douglas Germano - Abril 2013

Em recente viagem à praia, após ter escutado uma conversa entre nós (Douglas e eu) sobre a possibilidade de comprar uma casa na praia e sobre o absurdo promovido pela especulação imobiliária, que constrói prédios imensos na orla do Guarujá (alguns com 21 andares mais cobertura), que fazem sombra absoluta na areia da praia à partir das 14hs, Guilherme mandou muitíssimo bem:

— Sabe, pai, quando você e a Tantan comprarem uma casa na praia, se for num desses prédios, eu não vou querer vir, por que eu não quero fazer parte dessa bobagem...

Filho de peixe...

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Diálogo do dia

Cena do filme Wall E
Eu e Guilherme hoje cedo (14/04/2013), assistindo o filme Wall E

— Gui, você sabia que a barata foi o único ser vivo que sobreviveu intacto à bomba atômica?
— Mas o que é bomba atômica?
— É uma arma muito devastadora. A mais devastadora já criada pelo homem. Foi usada na 2.ª guerra mundial e feriu milhares de pessoas, destruiu duas cidades, matou todo o tipo de vida que foi atingida diretamente por ela.
— Ah, tudo bem, Tan, ela resistiu à bomba atômica mas não resiste a uma chinelada....

Para ler e pensar...

Constatação

Foto: Em mim, constantemente, confrontam-se duas forças: A dúvida pelo presente e o certo desejo de revolução. (TViana)

Em mim, constantemente, confrontam-se duas forças: 

— A dúvida pelo presente e o certo desejo de revolução.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Relatório

Como é bater em retirada de corpo presente?

— É levar o corpo onde ele precisa ir, deixando a alma em casa...


sexta-feira, 3 de maio de 2013

Celular

O que levo comigo ao sair, na partida?
Não sei bem o que levo, mas sei bem o que trago...
Trago comigo uma nota quebrada,
Um ensaio perdido
Falta não computada...


Trago comigo gosto de guloseima não comida,
Fastio de comida não dividida
Frescor de água não bebida.
Trago comigo a visão da janela embaçada
A tontura do ar viciado
O odor de corpo suado.


Trago comigo pouca coisa
Bagagem vazia,
Lembranças apagadas.
Trago comigo quase nada:
Um nada pesado.


Não trago comigo nem café da manhã:
mais uma refeição perdida...
Meu estômago: comprimido.
Levo uma caixa fechada, de preto tarjada.
Uma caixa excluída.
A caixa perdida no embalar da bagagem.
O medo de dar em uma outra paragem,
o sonho de inspirar uma nova aragem.


Levo comigo uma bandeja de frutas
A natureza morta
A natureza torta
Minha natureza exposta


Levo também meu mais novo amigo.
Os antigos, deixo pra trás...


— Alô, você pode falar?

Meu novo amigo é o meu celular!


— Por favor, deixe seu recado após o sinal...

— Fui!!!


Tânia Viana
Ribeirão Pires, dezembro, 2007

Fim de Abril

Meu coração adormecido despertou com sede, despertou faminto.
Saiu de uma febre que arde, mas cura!
Voltou com fome de novidade.
Meu coração saudoso tem a mais tenra idade.


Chegou nesta vida disposto e sadio.
Quer colher flores novas, comer frutas frescas,
Tem fome de terra gramada e memória recente da cama suada...


Meu coração febril e adormecido se levantou molhado,
Ressurgiu nervoso, arrombando portas;
Rangendo os dentes, destravou as janelas.
Retornou travesso, batendo panelas...


Veio regando as praças, lavando as ruas, minando das pedras.
Marejando meus olhos, brotando das mãos,
Pingando e gemendo, pintando e bordando,
Deixou suas marcas por todos os vãos.


Meu coração corado acordou urgente
E chama, ... e me empurra, me anima e me apressa
Está mais gentil, em clima de festa.
Tirou o uniforme, arrumou a bagagem,
Planeja de novo uma nova viagem.


— Que coração é esse que encontro faceiro,
Comendo pipoca, jogando peteca,
Espalhando sementes por todo o terreiro?


— Que coração e este que eu não conhecia?
... É meu coração festeiro que até ontem dormia!



Tânia Viana - 04/05/2010

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Sedução em miniatura.


O sedutor
                                                                                             
Estou em construção!
Esta minha nova construção está acontecendo em sentido inverso...
Numa geração normal da vida, primeiro você toma conhecimento da existência, depois sente a presença, a seguir passa a identificar sensações que são o fruto de uma nova vida surgindo, começa a ver suas formas se alterando, se modificando em função desta nova vida, sente o crescimento, passa a sentir o movimento, começa a identificar a imagem.
Um dia você faz um exame e vê o contorno. E aí a fantasia vôa... você começa a imaginar a cor dos olhos, o desenho da boca, a contar imaginariamente os dedinhos, esperando que estejam todos lá. Como será que vai ser quando estiver do lado de fora?
Um dia isso acontece e essa fantasia toda, que estava lá dentro, vem ao mundo e se personifica numa realidade, com cabeça, tronco e membros, olhos, nariz e boca, 20 dedinhos, uma barriguinha que sobe e desce conforme entra e sai o ar dos pulmões, chorando de fome, se contorcendo de cólica, fazendo xixi, roubando seu sono!
E a situação só avança... vem a frutinha, vem a papinha, sons desconexos que vão se ajuntando, se aglutinando, se expressando de forma incompreensível aos ouvidos estranhos, mas perfeitamente decifrável aos seus ouvidos, que escutam aquela combinação ilógica de sons desde quando ainda eram silêncio.Um dia vem o primeiro tombo, o primeiro corte, a primeira dor...Lá adiante virá a primeira palavra, depois outra, depois outra.Chegará uma hora em que aquela fantasia que nem sequer existia, que foi surgindo devagarinho, estará trazendo o boletim, levando você pra fazer coisas malucas, te cobrará um presente, um afago, um olhar...Mais adiante chegará o dia em que essa criatura te dirá coisas que vão te marcar e que você não esquecerá nunca mais...Eu não vivi nada disso!Mas hoje ele nasceu pra mim!
Essa criatura aconteceu na minha vida hoje, e hoje começou minha história com ele! E ele nem tem noção de que isso aconteceu.
Começo pela metade, sem ter vivido nada do que descrevi até agora...
Comecei pela voz! Engraçado que tenha sido assim, porque a voz pra mim é muito mais do que um veículo de comunicação, é uma essência de expressão!
Agora, vou começar a retroagir... Logo darei um olhar, depois um afago, depois um presente, depois convidarei pra fazer coisas malucas, um dia olharei o boletim, em algum momento baterei um papo sério, depois tratarei uma dor, um ferimento, darei a mão pra levantar do tombo, prepararei um lanche. Certamente haverá uma febre, uma dor de barriga, um medo qualquer...
Chegará o dia em que perderei minha primeira noite de sono...
Nesse dia inevitavelmente pensarei: como teria sido se tivesse saído de mim?
E aí vou me lembrar de hoje: vou me lembrar da hora em que ele entrou em mim...
Vou resgatar essa sensação, tão boa, tão gostosa que pouco importará de onde ele saiu...
Ele um dia surgiu, entrou pelos meus ouvidos, ficou ecoando na minha cabeça, fez um acampamento no meu coração. Desde então fez de lá sua morada.
Não vejo a hora de completar o quadro e ver que carinha ele tem!!!
Assim como seria se ele tivesse saído de mim.
A hora de ver a carinha é a mais esperada, é aí que, de fato, começa a história...
Ainda não vi sua carinha, mas essa miniatura já me seduziu completamente.
Hoje ouvi dele o prólogo dessa nova história:
—Pai, é a Tantan...
Agosto de 2010.


Efeitos da Sedução 2013
                                                            

José Francisco e Otaviano










Sexta Feira, 07 de Maio de 2010, 15h 20min.
Antevéspera do dia das Mães.
Plataforma 11, Terminal Rodoviário do Tietê, São Paulo.
Ônibus Lotados...




Chegamos nós três ao mesmo tempo no balcão da Viação Cometa, na Plataforma 11, com passagens para embarque sentido Jundiaí.
Saída Prevista: 15h30min.
Três Passageiros no balcão: Eu, uma mulher e um homem. Éramos três desconhecidos.
No balcão, apenas duas canetas.
- Por favor, preencham suas passagens! Ditava o motorista, postado à porta do ônibus, verificando bagagens, passagens, documentos, liberando passageiros para tomarem seus lugares nos assentos numerados...

Homem: - Dona, o que eu escrevo aqui?
Mulher: - Seu nome, documento e endereço, não está vendo escrito aí?
Homem: - Mas eu não sei!
Mulher: - Como? Você não sabe seu endereço?
Homem: - Não, é que...
Mulher: - Ah, essa é boa!

E a mulher se retira, apressada e arrogantemente, do alto de seu sapato plataforma e sob seu cabelo cheio de laquê!
Ela era baixinha, mas tinha um rei tão grande na barriga que, obrigatoriamente, tinha que usar plataforma e um cabelo bem estruturado, tudo isso para parecer maior do que realmente era! — NANICA!

Ficamos nós dois, eu e o Homem, lado a lado no balcão.
Eu, ele e as duas canetas...
Eu, que estivera ali ao lado, calada, preenchendo minha passagem, não pude deixar de ouvir o diálogo entre os dois...

Percebi o que havia acontecido, intuí o motivo, mas não quis constrangê-lo com minhas conclusões.
 - Lembrei do Seu Otaviano!

Eu: - Moço, precisa de ajuda?
Homem: - É que tem que escrever aqui o endereço, e eu não sei!
Eu: - Mas o senhor pode por só o telefone e o número do documento.
Homem: - A senhora me ajuda, dona?
Eu: - Claro, me empreste seu documento.
Homem (cochichando): - É que eu não sei ler.

No documento, a vexatória inscrição “ANALFABETO”, carimbada acima da assinatura, uma sucessão de garatujas ilegíveis...

- Lembrei do Seu Otaviano!

Seu Otaviano era praticamente da família, se eu for considerar que minha família sempre foi formada mais pelos agregados do que pelos integrantes natos.
Ele era amigo do meu pai desde 1958, ano em que meus pais se conheceram.
Seu Otaviano era baixinho, assim como o Homem do Terminal Rodoviário, era baiano, assim como o Homem do Terminal rodoviário, era humilde, simples e gentil, assim como o Homem do Terminal Rodoviário. E era analfabeto, assim como o Homem do Terminal Rodoviário.
Aliás, nem mesmo sei por que falo do Seu Otaviano no passado. Ele é tudo isso até hoje. Baixinho, baiano, humilde, simples e gentil.
Esqueci de dizer que ele tem os olhos azuis mais sorridentes que eu já vi até hoje. Ele, apesar de ter mais de 70 anos, chama minha mãe de mãe e até hoje não consegue pronunciar direito meu nome. Ele me chama de Tanin, minha fia!
Esqueci também de dizer que Seu Otaviano é ALFABETIZADO! O analfabetismo ficou no seu passado.
Esqueci também de dizer que o Homem do Terminal Rodoviário tem um nome, que ele não sabe escrever, mas que eu não vou esquecer nunca: José Francisco.

Não vou esquecer porque o analfabetismo me acompanha desde que eu nasci, afinal, nasci analfabeta!
Analfabetos também eram muitos dos agregados que passaram pela vida da minha família, assim como Seu Otaviano. Fico feliz em dizer que alguns deles foram alfabetizados pelas minhas mãos.

- Mas o Seu Otaviano foi especial...

Ele foi o primeiro e se alfabetizou junto comigo, quando entrei no 1.º ano da escola.
Tínhamos o mesmo material: um caderno brochura pra cada um, um lápis n.º 2, uma borracha branca e um caderno de caligrafia. A tradicional cartilha “Caminho Suave”. Esta era única, mas utilizávamos conjuntamente quando sentávamos à mesa da copa aqui de casa pra fazer a lição que a Madre Adeodata havia passado para casa.
E foi assim, fazendo minha lição de casa comigo, copiando as letrinhas que eu desenhava no caderno de caligrafia que o Seu Otaviano aprendeu a escrever e, juntando as letras coloridas da cartilha, aprendeu a ler. Assim ele se alfabetizou. E eu também!
Ele era baixinho, tinha quase a mesma altura que eu, parecíamos mesmo duas crianças aprendendo o ABC.

Seu Otaviano alfabetizou-se pra poder tirar o Título de Eleitor e votar no meu pai, candidato a vereador na cidade pela 3.ª vez. Nas duas vezes anteriores ele não havia votado.

Trabalhou como cabo eleitoral, panfletou, fez boca de urna, mas não entrou pra votar. Foi barrado no seu direito de cidadão assim como o Sr. José Francisco quase foi barrado no acesso ao ônibus, por não saber preencher sua passagem.

E eu, sem ter consciência disso, na hora em que os fatos aconteceram — quando criança, por ser muito criança, no terminal por estar com pressa e querer embarcar logo— já que somente nós dois ainda estávamos de fora do ônibus; acabei contribuindo para que a porta de ambos não se fechasse.

Lembrei tanto do Seu Otaviano desde sexta-feira última que hoje, ao voltar pra casa, novamente vindo de Jundiaí, o vi de longe passando com seu terno cinza, seu chapeuzinho na cabeça e sua Bíblia em baixo do braço.

- Vinha do culto!

Que bom que ele pode ter na sua cabecinha branca as palavras de Deus. Melhor ainda é que as palavras de Deus não precisam entrar pelos seus ouvidos, distorcidas pelas bocas de terceiros, podem entrar diretamente pelos seus olhos azuis, hoje paramentados com um par de óculos, já que o tempo deixou, também ali, as suas marcas...

- Quanto ao Senhor José Francisco? Bem, ele embarcou em mais uma viagem, naquela antevéspera de dia das mães...