Diário da CPTM
365 dias de uma passageira.
08.03.2017
Somente agora, em pé, no trem lotado da CPTM, assisti o vídeo que mostra João Vitor sendo arrastado pelos seguranças do Habbib's, já desfalecido, seminu, para ser largado em uma calçada, como lixo, enquanto seus agressores retornam tranquilamente ao trabalho, alheios às cameras de segurança que os flagram em inquestionável homicídio.
Ontem, da janela do Metrô, vi, do alto da linha vermelha, chegando à estação D. Pedro II, policiais e um caminhão caçamba e diversos trabalhadores braçais desfazendo e recolhendo os abrigos precários de cidadãos em situação de rua. É possível que tenham ficado para trás os moradores, excluídos socialmente, abandonados e desabrigados...
Em contrapartida, na bolha que frequento, onde vivo cotidianamente e com as pessoas com as quais me relaciono, a discussão existente paira sobre ser ou não pertinente tirar selfies em espetáculo artísticos...
O espetáculo real está acontecendo diariamente, diante dos nossos olhos e é um espetáculo deplorável!
A alienação e o individualismo avançam de forma voraz, se instalando dentro das vidas de todos, de forma irreversivel, me parece.
Nesse processo não são poupadas nem mesmo as criancas que mendigam comida de fast food, para saciar sua fome e seu desejo, inflados diariamente pelos ataques de marketing, pelas vitrines amplas que expõem o "paraíso" reservado a poucos e ao qual "aquela criança" não terá, jamais, acesso.
Ao mesmo tempo passam por processo de flexibilização as leis contra a mão de obra escrava, que camuflam condutas de exploração humana já apuradas, constatadas, mas ainda não julgadas, envolvendo grandes mandatários da política nacional.
O núcleo de beneficiados pela restrição à informação voltará a existir, de forma oficial, através da reforma do ensino básico, que norteia os conteúdos programáticos das escolas, pois a reforma do ensino somente incidirá sobre os alunos do ensino público, condenando novamente aqueles que não pertencem às camadas mais favorecidas da sociedade à desinformação e ao desconhecimento, num padrão similar ao analfabetismo endêmico já vivido no país, até cerca de duas décadas.
Todos os avanços éticos e morais, conquistados em anos de luta das minorias, correm o risco de não se consolidar, sucumbindo a uma onda conservadora de precedentes assustadores no Brasil e no mundo.
Seguem a toque de caixa no congresso as reformas que alterarão conquistas trabalhistas de meados do século passado, colocando o Brasil numa condição semelhante à vivida durante o período colonial.
Ascendem novamente ao poder, de forma hegemônica, os representantes de uma casta dominante que pouco se importa se uma criança é morta por pedir comida, se cidadãos não tem acesso à moradia digna, se alunos seguem privados de seu direito ao aprendizado amplo e se trabalhadores, que são a mola propulsora da economia, se vêem em vias de retroceder a padrões trabalhistas semi-escravocratas, de forma oficial, numa supressão de direitos legitimada pela lei.
Imbecis manipulados discursam e propagam sua ignorância tosca, obtusa e arrogante, reproduzindo discursos de exclusão, recheados de termos acadêmicos como "meritocracia", "produtividade", "plano de metas", "ação bem sucedida", "estratégia vitoriosa"... e seguem ladeados por uma imensa horda de fundamentalistas que vomitam salmos e praguejam penas e punições contra aqueles que não seguem as normas de conduta que, no mais das vezes, nem eles mesmos adotam em suas intimidades mais íntimas e inconfessas...
Somos isso. Assim nos definimos como país. E, hoje, mais do que nunca, desembarco deste trem lotado cheia de vergonha por fazer parte desse jogo sórdido de autoflagelo.
O Brasil não tem conSerto!
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