Às
vezes eu perco o sono. É raro, mas acontece. Hoje é um desses dias.
Morfeu não quis me abraçar…
A
casa, silenciosa e apagada. O único cômodo aceso é meu cérebro,
por onde as caraminholas passeiam desavisadas e indecentes...
Penso
bobagens, crio planos, construo estratagemas.
Elaboro
estratégias que certamente não seguirei. Mas, crio, mesmo
assim! Elas me servirão de repertório imaginário para o momento
exato da ação. Momento que nem sei se virá, mas, para o qual
estarei pronta!
Assim
funciona minha cabeça. Incansável e insana. Exausta. Precisando
extravasar o desejo de revirar o mundo.
—
Que
mundo besta!
Neste
mundo besta, levo a vida fazendo coleta. Coleto imagens, coleto sons,
coleto informações, coleto curiosidades, coleto desapegos e
desafetos. Coleto carinhos e afagos. Coleto esperanças e filas de
espera. Coleto naufrágios e portos seguros. Coleto frutas amargas,
flores secas, chão sem vida. Coleto fruteira colorida, vaso
desabrochando e terra adubada. Coleto mudança, novos ares,
horizontes distantes e disponíveis. Horizontes verticais, horizontes
montanhosos, horizontes beira-mar.
E
nessas coletas todas vem gente também…
Gentes
de todos os tipos. Alguns de coração latejante. Outros empedrados.
Olhos vivos, outros vidrados. Hálitos frescos, peles mornas, mãos
firmes… alguns pés descalços. Várias almas empoeiradas:
prateleiras esquecidas de memórias não usadas. São gentes de todos
os tipos!
Coleto
a friagem, que me encatarra o peito e embarga a voz. Nasce um
pigarro, e vira tosse. Se mimetiza
em escarro que põe pra fora o palavrão que não gritei, o insulto
que não revidei, a provocação recebida que ficou sem resposta.
—
Provocações:
Não as respondo mais!
Porque
a vida me provoca de várias formas e tenho escolhido as mais leves.
Tenho
escolhido a leveza da risada dos Patetas, o latido estridente da
cadela de cauda longa, a preguiça prolongada da gata de olhos
grandes, o cheiro do café com cigarro que acorda a casa.
Tenho
escolhido aumentar a família com filhos que pego por empréstimo por
algumas horas…
Tenho
escolhido caminhar em busca. Tenho escolhido querer mais.
—
Mais
gentes e mais coletas!
Coletas
que me tirem o sono com planos mirabolantes. Coletas que me instiguem
por caminhos pelos quais nunca passei. Coletas que me apresentem
seres iluminados e generosos, que me peguem pela mão e me
digam:“Vem,
você consegue!”
Quero
coletar histórias, coletar memórias e descartar rancores. Quero
descartar o ranço dos que foram carcomidos pelo fracasso.
Quero
oferecer adubo a quem quiser florescer. Quero deixar exemplo pra quem
quiser crescer.
Cansaço
imenso de olhar pela janela da desesperança e só ver derrota.
Estamos derrotados. É fato!
Fomos
vencidos pela discórdia e pelo retrocesso. Fomos vencidos pelo
lamaçal que nos envergonha mundo afora. Fomos vencidos pela usura,
que especula com nossos bolsos e nossas vidas, nos dá tostão de
troco e ainda nos confisca o direito de escolha. Fomos vencidos.
Fato.
—
Mas,
não há derrota para aquele que mantém o cérebro aceso!
E
meu cérebro é meu sótão, que permanece claro no meio desta
escuridão. Ela não conseguirá me engolir!
Meu
cérebro, agora, cataloga amigos novos, que chegam afins e caminham
juntos.
Meu
cérebro se ilumina com o gesto de acolhimento e impulso em direção
ao novo.
— Quero
ir!
E
eu vou! Tenho pressa.
Quero
cerrar fileiras, quero ir à luta. Quero travar a batalha final.
Derradeira.
Depois dela serão somente louros. Não haverá grilhões. Não
haverá impedimentos; não haverá obstáculos humanos, desumanos ou
sobrenaturais que fechem caminhos ou bloqueiem passagens. Não
haverá! Porque um único ponto de luz ilumina uma vida inteira.
Prometeu,
com uma faísca, deu luz a toda a Humanidade. Levo comigo esta mesma
faísca e, com ela, mantenho meu sótão iluminado.
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