A vida cresceu e a casa ficou pequena.
O tempo, em nós, esculpe marcas que nos revigoram, mas, enquanto isso, nossa casa envelhece.
Chegamos nela atraídos pelo jardim. Amplo, gramado, com jabuticabeira. O jardim nos convidou a ficar e ficamos.
Aqui festejamos, aqui semeamos e colhemos, aqui partilhamos festas e afetos. Aqui adoecemos e encontramos cura.
Aqui a família cresceu de forma agregadora, com cada um somando mais um. Perdemos a conta, já! Foram algumas dezenas nos últimos 3 anos.
Nesta casa, quando chega alguém, é sempre alguém que nunca vem só.
As chegadas são em revoada: "Flapflapflap"... Chegam batendo asas. Fazem pouso. Fazem ninho. Fixam estada por aqui.
E a casa, agora pequena, precisa de mais tetos pra abrigar a passarinhada.
Nossa casa nos recebeu como uma avó recebe seus netos: acolhedora. Nos ofereceu abrigo, teto, segurança, ir e devir. Mas, é idosa e definha, dia a dia.
De suas parede externas desprendem-se os azulejos, que iniciavam já seu descolamento, desde antes de nossa chegada.
Ao fundo, a edícula recusa hóspedes pois tem seu telhado habitado pelos cupins.
Na cozinha, a pia vai perdendo suas vestes: o gabinete, ano a ano, foi carcomido pela podridão úmida, emergente do esgoto mal acabado, há décadas esquecido por trás das portas mal fechadas.
Luzes... Há muitas. Muitas delas nunca piscaram para nós. Desativadas, foram nunca por nós utilizadas.
Fizemos um gato. Iluminamos o quintal e nele festejamos o São João. Foram 3 anos consecutivos de alegria borbulhante, no quintal desta casa-festa que nos acolheu como uma avó acolhe seus netos: amorosa, porém, idosa, enfraquecida e definhando.
A vida cresceu e o telhado já não comporta mais a chuva, que respinga entre os vãos provocados pelo tempo e os furos crescentes nas calhas. A água não pede passagem. Ela simplesmente vem. Respinga. Tanto bate até que fura. Uma cachoeira resolveu furar a porta do escritório, que, desde nossa chegada, já vinha ensaiando um orifício...
Mas nossa casa resiste. Vem resistindo, há décadas, ano a ano, honrando a imponente memória de sua imagem na juventude: soberana, altiplana, observando a rua como quem olha o vale do alto de uma colina.
Por tudo isso, Ela é linda!
Começa a se despedir de nossas vidas... Despe-se dos quadros, das luzes, das cortinas e tapetes. Mantém portas abertas para o carregamento de saída.
Não nos perguntou nada. Nada nos cobrou.
Apenas permanece imóvel enquanto a desnudamos.
Apenas permanece imóvel enquanto a desnudamos.
Esvaziaremos suas paredes.
Levaremos os quadros, os vasos, as cortinas.
Enrolaremos os tapetes, empacotaremos as almofadas.
Descartaremos montanhas de inutilidades.
Desfilaremos pelo caos, entre caixas e, desse caos, surgirão as prioridades.
Durante sete dias transportaremos memórias, visões, atos, fracassos e conquistas.
Durante sete dias migraremos de cá pra lá, levando o que nos basta, deixando o que não nos cabe, descartando o que já não há.
Serão 7 dias de despedida silenciosa. Sei que ela nada dirá!
Serão 7 dias de despedida silenciosa. Sei que ela nada dirá!
E nossa casa, de nós, perderá tudo! Se despirá de cor, perderá seu cheiro, ficará sem luz.
Levaremos tudo. Menos ela.
Ela ficará nua, vazia e só, como estava quando por aqui aportamos.
Ela nos deu teto, amparo, segurança e diversão. Ela nos deu tudo. Não nos pediu nada. Nem mesmo que ficássemos!
Os gatos e os cães, levaremos. Se houvesse flores, levaríamos. Ela consentiria.
Nossa casa cuidou de nós. Comportou tudo. Acolheu todos. Nos ensinou a abrir portões e acender fogueiras.
Está quase nua. E ficará só.
Nós, nos vamos.
Decididos, fecharemos os portões.
Não diremos nada. Ela saberá...
Mudamos.
Mudamos.
És uma caixinha de surpresa. Que bom ñ sermos rotulados, ñ sermos definidos! A tua narrativa é muito crível, ela faz a gente imaginar de forma quase que instantânea a cena se desenrolando. Obrigada por nos propiciar essa oportunidade. Eu tinha esquecido como era gostoso ler os blogs.😉😘
ResponderExcluirLene, querida, só agora vi seu comentário...
ExcluirObrigada
<3