sexta-feira, 13 de junho de 2014

"Olhos de ver, ouvidos de ouvir"


Quem assistiu o jogo de abertura da Copa do Mundo de Futebol, no dia 12/06/2014, com transmissão ao vivo pelo complexo Globo de Televisão (que inclui também canais esportivos Sportv e ESPN) e retransmissão por outras televisões sem nenhum direito de captação das imagens, apenas de retransmissão, viu que:

O estádio da abertura da Copa do Mundo de Futebol, situado na Zona Leste de São Paulo, Sede do Time de futebol mais popular do país, estava tomado por uma população diferente do que se vê nas ruas da região, da cidade e do país: Vimos mulheres finamente maquiadas, perfumadas e prontas para o close no telão do estádio, a ser transmitido para o mundo, acompanhadas, invariavelmente por seus parceiros (as) de torcida, também, e igualmente, produzidos para o jogo de abertura do campeonato mundial de futebol, tão atacado por todos, nos últimos meses.

Tive o trabalho de contar: entre aquela imensa multidão de 62 mil torcedores brasileiros encontrei exatos 7 negros nas oportunidades em que a câmera fazia seu "tour" pela arquibancada. Como é possível tamanha disparidade em um país mestiço e predominantemente NEGRO?

Não estavam presentes no estádio os reais e tradicionais torcedores de futebol.

Estavam no estádios torcedores bissextos e inabituais, que lá estavam para acrescentar mais um evento, à sua lista de eventos "imperdíveis do ano".

Não vi um torcedor autentico de futebol, de shorts despojado e roupa de arquibancada. 

Não vi uma família sequer que lá estivesse sentada sem sua câmera fotográfica, seu celular de última geração ( inclusive com câmera fotográfica de alta definição), seu "abadá" de classe média emergente.

Não vi também nenhum aglomerado de torcida uniformizada, realmente uniformizada, não somente "fantasiada de torcedor".

Não vi a população que chora ao ver um gol da seleção, porque este é o alento da caraça carcomida pela semana de trabalho.

NÃO VI!

Mas ouvi uma vaia retumbante que muitos afirmam ser a demonstração do que pensa a população do país.

Mas a população do país, de fato, não estava lá! Lá estavam os representantes de uma parcela muito bem definida da sociedade, que está lutando com unhas, dentes e deslealdade para defender seu lugar ao sol.

É justo que assim o queiram, mas não é justo que se coloquem como representantes de toda uma população, desse imenso país sem representatividade nas cadeiras do Itaquerão, na estréia da Copa do Mundo.

Meu olhos me mostraram que a vaia presenciada no estádio veio de bocas que não querem os negros nos estádios, não querem os pobres nos aeroportos, não querem as domésticas usando perfume importado, não querem os marmiteiros utilizando celular 4G, não querem os assalariados, com renda familiar de até 5 salários mínimos, fazendo turismo ou comprando carro; não querem os adolescentes da periferia frequentando o shopping-center, não querem as crianças das escolas públicas pleiteando vagas nas universidades públicas, não querem os desempregados adotando o micro-empreendedorismo, não querem a real unificação da saúde e dos acessos civis a direitos que deveriam ser de todos.

Foi isso o que me mostrou o padrão FIFA: mostrou-me que o Brasil tem um padrão próprio: o PADRÃO DE EXCLUSÃO NACIONAL. 

Vi os representantes deste padrão presentes em massa na cerimônia da Copa, pagando, no mínimo, módicos R$300,00 por ingresso, demonstrando o quanto incomodam as mudanças sócio-econômicas empreendidas neste país nos últimos 11 anos.

Tantos discursos engajados contra tudo, inclusive contra a copa, mas muitos dos discursantes desembolsando uma pequena fortuna que representa, em muitos casos, a renda de uma família inteira, somente para não perder a oportunidade de ver-se, e ser visto, no telão de LED da cerimônia de abertura do Campeonato Mundial de Futebol...

Muitos não viram o que eu vi, ouviram apenas a vaia, tão "PATRIOTICAMENTE" ostentada pelas redes sociais, quase que instantaneamente, como se já estivessem esperando por isso.

Não viram, porque aquilo que não é visto, não é lembrado, e talvez, muitos destes "emergentes-pseudo-engajados" de hoje já tenham até mesmo perdido de vista de onde vieram, de que classe ascenderam, e por quais mãos.

E agora, consolidada a ascenção, o melhor mesmo é botar uma pá-de-cal sobre o caminho percorrido, para que as memórias não nos tragam vergonha de não sermos sequer capazes de torcer pela nossa nação com mais conhecimento de causa, com mais informação, com mais decência e dignidade.

E esta desinformação continuada, amplificada pela manipulação persistente, bradou ontem no estádio, de forma descarada: "Ei, Dilma, vai tomar no Cú"

Queridos, ela certamente já deve ter tomado, "LITERALMENTE" e certamente este "tomar no cú" literal deve ter-lhe dado forças para sentar-se ali, onde ela estava ontem, pensando internamente: SENHOR, PERDOAI-OS, ELES NÃO SABEM O QUE DIZEM...

E, lamento, mas os corajosos patriotas que bradaram tão honrosamente o "Ei, Dilma, vai tomar no cú" estão com, aproximadamente, 40 anos de atraso em seu BRADO RETUMBANTE e com cerca de 502 anos de defasagem em sua visão de mundo e expectativas de futuro!