domingo, 14 de junho de 2015

"Pé-de-chinelo"



Ariano Suassuna, (salvo engano), afirmava que "fartura na mesa de quem tem é sinal de fome na mesa de alguém". Concordo com ele, ou com quem quer que tenha proferido esta frase, já que não posso atestar sua real autoria. Concordo que, para que haja uma diminuição da fome, é preciso redistribuir a fartura em função da carência.
E assim se buscou fazer no Brasil nos últimos 12 anos.

Ouço muita manifestação de revolta contra as medidas sociais implementadas para reverter e sanar os danos causados por tanta desigualdade que perdurou durante quase seis séculos. E ouço manifestações semelhantes de pessoas que considerava interessantes, de estranhos, de pessoas emocionalmente valiosas e de pessoas desprezíveis. Convivo com elas nos limites da minha tolerância. E noto que, em todas elas , há alguns traços de similaridade, seja na desinformação, voluntária ou não, seja na má fé, seja no hábito estúpido de replicar informações mediáticas e não factuais, sem checar a veracidade dos fatos. Noto nelas uma postura de avaliação tendenciosa e unilateral. Uma total incapacidade de vivenciar o exercício da dúvida e, como consequência, questionar o que está sendo dito, divulgado e propalado, seja pela mídia, pelas redes sociais ou pelos círculos de fofoca maledicente. 
Sinto-me na obrigação de defender meu ponto de vista, após ter lido um comentário de um desconhecido (Graças a Deus), feito em uma postagem que foi compartilhada da minha TL por um amigo de FB.
O tal "cidadão" se permite manifestar seu desejo, que considera um direito inquestionável, de sair dando "estiletadas" na cara de um outro cidadão que, até poucos meses atrás, conduzia a política econômica deste país.
Engraçado que, corajosos, como esse desconhecido, pululam nas redes sociais e manifestam sem pudores e sem constrangimento seus impulsos mais baixos, constrangendo seus interlocutores, sinalizando com uma violência virtual vergonhosa, que na maioria das vezes não se concretiza na vida real. Servem apenas para demonstrar o alcance da imbecilidade reinante atualmente. São uns boçais sem argumentos, protegidos pelas paredes blindadas das redes sociais, que validam seus comportamentos intolerantes e intoleráveis.

Ora, vamos aos fatos:
A elite brasileira, e falo de elite mesmo, não de remediados assalariados que ascenderam socialmente a uma posição de maior conforto. Falo daqueles que detém as grandes fortunas e estão confortavelmente posicionadas em suas mansões. De lá, através dos meios de comunicação,  manipulam títeres idiotas que se acham os tais, batendo panelas de dentro dos seus carrões financiados ou do parapeito de suas "varandas gourmet", — o mais novo símbolo de ostentação da classe emergente —, ainda em processo de quitação.
Todos os tolos que batem panelas, que discursam contra as políticas de redistribuição de renda, de cotas e de acesso a direitos fundamentais como cidadania, saúde e informação; que falam como se elite fossem; não passam de deslumbrados assustados, com medo de se distanciarem da elite que tanto almejam ser, por força da política econômica em curso.
E, se continuarem agindo como agem, será de fato o seu futuro: as verdadeiras elites continuarão se distanciando dos simples mortais paneleiros. Seguirão comprando seus congressistas para seguirem barrando a taxação das grandes fortunas, blindando suas vidas financeiras pregressas e escusas, ocultando seus ganhos de capital, protegidos que estão pela legislação aprovada por "cunhas", "bolsonaros", "felicianos" e congêneres.
Logo, tolos da "Classe Mérdia economicamente comprimida e revoltada", lamento informar, mas vocês NÃO SÃO ELITE. Mas também não são miseráveis. Portanto, não são capazes de dimensionar o valor de uma bolsa auxílio para quem antes comia barro com água e pirão de farinha seca.
Os senhores pautam suas críticas na minoria que subverte as regras dos programas sociais, em detrimento dos milhares que se comportam honestamente diante dos mesmos programas. (projetando sua própria lógica do "farinha pouca, meu pirão primeiro").
A continuar nesta conduta, tentando se aproximar da Elite, sem possibilidades honestas de se tornarem elite, em breve, e inevitavelmente, descerão alguns degraus na escadaria sócio-econômica e, talvez, seja necessário, inclusive, abrir mão de suas reles "varandas gourmet".
Não porque a política social seja injusta ( apesar de falha, é certo), mas porque essa "Classe Mérdia", na ânsia de mimetizar-se em elite, tem-se aproximado do lado errado da balança e tentado se aglutinar a ele. Mas, historicamente, o lado ao qual essa "Classe Mérdia" tenta se aglutinar é o lado que não divide nada com ninguém, que não se compadece com nada e que não abrirá mão de seus recursos e regalias enquanto houver na sociedade "sparrings" dispostos a apanhar por ele e  felizes em serem alto falantes que ecoam suas demandas, mesmo que egoístas e unilateralmente favorecidas.

Então, quando vejo um cidadão que vive de salário, se revoltando — a ponto de sugerir o uso da violência — contra a politica econômica, sem de fato conhecer os fatores que influenciam as decisões governamentais, sem saber a função de cada um dos poderes, sem conhecer historicamente as reviravoltas que este país já viveu, sem buscar informações factuais; me dá uma certa desesperança. Não no governo. Na sociedade, incapaz de olhar para si mesma em busca de seus iguais.

O que mais vejo é "pé-de-chinelo" posando de "grã-fino" só porque comprou um carro ( que é pago em mensalidades a perder de vista), possui um apartamento (financiado e ainda em processo de quitação) ou tem um IPhone de última geração, comprado em 10X no cartão de crédito.
Se fossem elite, teriam tudo isso, vindo numa bandeja de ouro, a título de regalia. Mas, não! São conquistas fruto de trabalho, compradas em parcelas que serão deduzidas do salário e de seus ganhos mensais. 
Apesar de suas conquistas serem fruto de seu trabalho, comportam-se como se trabalhadores não fossem, porque é seu comportamento, em tese, que lhes garante a ilusão de serem vistos como elite. Sendo assim, saem por aí se achando o máximo, tripudiando sobre subalternos, proferindo destemperos contra símbolos do governo, poupando legisladores desonestos, que discursam em favor de seus próprios interesses, validando notícias de meios de comunicação tendenciosos e desonestos. Em suma, essa "Classe Mérdia" come mortadela e arrota peito de peru, se achando o máximo, reivindicando para si inclusive o direito de agir como justiceiros, estiletando quem deles discordar ou a eles se opuser.

Não. Sr. "pé-de-chinelo-mimetizado-em-elite", o Senhor não é elite.
É um vassalo a serviço da elite e da manutenção das regalias que a elite usufrui, das quais gostaria também de usufruir e com as quais sonha diuturnamente.
E sua indignação com os alvos errados, aliada à sua conduta eticamente desprezível, contribui imensamente para que tudo continue como dantes, no quartel de Abrantes.

Sendo assim, e voltando a Suassuna, citado no início, se a conduta da "Classe Mérdia" não mudar, não for revista, a compressão que tem recaído sobre ela, e que deveria recair sobre as elites, por ela protegidas, fará com que, a médio prazo, a diminuição das diferenças sociais sejam sinônimo do injusto empobrecimento da Classe Média e da justa ampliação do poder de compra da classe "C", tudo sob responsabilidade das Elites ( injustamente poupadas e protegidas pela "Classe Mérdia").

Portanto, Classe Média, está em suas mãos reverter este quadro tenebroso de desigualdade social. E para que esta reversão não implique no achatamento do poder de compra dos "Senhores Varanda Gourmet", seria bom que o lado fortalecido fosse o lado dos Trabalhadores, posto que as Elites já tem quem as represente.
E não será com panelaços estúpidos, manifestações de ódio e discursos sectários que será possível reverter esta desigualdade.
Só será possível à medida em que conseguirmos nos solidarizar com os que tem menos, nos aliando a eles, dando uma banana a quem acha que é dono desta terra de ninguém.
Porque, lembrando: fartura na mesa de quem tem é sinal de fome na mesa de alguém....

** PS: espero que tenha ficado clara a diferença entre Classe Média e "Classe Mérdia"